Desenho Relacional do Trabalho: Conceitos e Desafios para Investigação Futura
Alda Santos[1], Filipa Castanheira[2] & Maria José Chambel[3]
Recibido: 04/05/2018 Aceptado: 25/09/2018
Resumo
O campo de estudo do desenho do trabalho tem incidido sobre os aspectos do trabalho que podem contribuir para a motivação e o bem-estar dos trabalhadores, bem como para resultados positivos para as organizações. Os aspetos relacionais do trabalho, algo negligenciados nos quadros de referência prevalecentes até recentemente, têm despertado uma crescente atenção por parte de vários autores do campo do desenho do trabalho (e.g., Grant & Parker, 2009), durante as últimas duas décadas, fruto da progressiva evolução, a nível global, para uma sociedade de serviços. Um dos objetivos deste artigo de natureza teórica prende-se com a análise de conceitos do modelo do desenho relacional do trabalho de Adam Grant (2007), em paralelo com outras abordagens, com um historial anterior, ao estudo do contato com clientes e seus efeitos nos trabalhadores, nomeadamente do burnout e do trabalho emocional. Pretende-se igualmente apresentar implicações teóricas e práticas decorrentes dos estudos realizados no âmbito do quadro de referência do desenho relacional do trabalho, bem como desafios para investigação futura neste campo.
Palavras chaves: Desenho do Trabalho, Características Relacionais do Trabalho, Contacto com Clientes
Diseño Relacional del Trabajo: Conceptos y Desafíos para la Investigación Futura
Resumen
El campo de estudio del diseño del trabajo se ha centrado en los aspectos del trabajo que pueden contribuir a la motivación y el bienestar de los trabajadores, así como para resultados positivos para las organizaciones. Los aspectos relacionales del trabajo, algo descuidados en los marcos de referencia imperantes hasta hace poco, han despertado, en las últimas dos décadas, un interés creciente por parte de diversos autores del diseño del trabajo (por ejemplo, Grant y Parker, 2009), fruto de la progresiva evolución, a nivel global, hacia una sociedad de servicios. Uno de los objetivos de este artículo de naturaleza teórica se refiere al análisis de conceptos del modelo del diseño relacional del trabajo de Adam Grant (2007), en paralelo con otros enfoques, con un historial anterior, al estudio del contacto con clientes y sus efectos en los trabajadores, especialmente del burnout y del trabajo emocional. Se pretende también presentar implicaciones teóricas y prácticas derivadas de los estudios realizados en el marco de referencia del diseño relacional del trabajo, así como retos para la investigación futura en este campo.
Palabras claves: Diseño del Trabajo, Características Relacionales del Trabajo, Contacto con Clientes
Introdução
O desenho do trabalho, definido como “o conteúdo e organização das tarefas, atividades, relacionamentos e responsabilidades relativas ao trabalho de cada um” (Parker, 2014, p. 622), é algo considerado importante, tanto do ponto de vista das organizações, quanto do indivíduo. Historicamente, após a organização científica do trabalho, tem sido dada particular atenção ao potencial motivador de um bom desenho do trabalho (Parker, 2014). A partir da abordagem da Escola das Relações Humanos e, em particular do Modelo das Características do Trabalho (Hackman & Oldham, 1976) , que se considera que um adequado desenho do trabalho é fundamental, podendo refletir-se ao nível do bem-estar dos trabalhadores, das suas atitudes face ao trabalho e do seu desempenho (Parker, Van Den Broeck, & Holman, 2017). A evolução progressiva e global no sentido de uma economia de serviços torna particularmente relevante o estudo da faceta relacional do trabalho, algo que tem sido negligenciado pela área do desenho do trabalho (Grant & Parker, 2009).
Este artigo tem como objetivos a exploração de conceitos e de pesquisa realizada no âmbito do modelo do desenho relacional do trabalho de Adam Grant (2007), estabelecendo, previamente, um breve paralelo com outros quadros de referência, mais concretamente da pesquisa realizada nos domínios do burnout e do trabalho emocional, em contextos de trabalho que envolvem o contacto com clientes. É também realizada uma exploração dos desafios para a investigação futura, de acordo com o quadro de referência do desenho relacional do trabalho, contribuindo, dessa forma, não só para uma reflexão sobre os conceitos deste modelo, como também sobre a sua aplicação, por exemplo, em contextos transculturais.
Desenho do trabalho e aspetos sociais dos empregos
O estudo do desenho do trabalho tem-se dedicado à pesquisa dos aspetos motivadores do trabalho, ou seja das características do trabalho que contribuem para e se refletem em resultados positivos para os indivíduos e as organizações (e.g., maior satisfação no trabalho, menores níveis de stresse e de absentismo, maior produtividade) (Parker et al., 2017). O Modelo das Características do Trabalho de Hackman e Oldham (1976) tem sido o modelo dominante neste campo (Parker, 2014), postulando que o trabalho deve incluir no seu desenho cinco características fundamentais: variedade, autonomia, feedback, significado e identidade. Essas características vão fomentar, no trabalhador, três estados psicológicos (significado experienciado, sentimento de responsabilidade pelos resultados e compreensão dos resultados dos seus esforços) que, por seu turno, contribuem para aspetos positivos ao nível do trabalhador, tais como o aumento da motivação intrínseca, da satisfação no trabalho e do desempenho, bem como para uma redução da rotatividade (Parker, 2014). O Modelo das Características do Trabalho obteve algum suporte empírico (para uma meta-análise sobre o referido modelo, ver Humphrey, Nahrgang, & Morgeson, 2007), contudo, tem sido alvo de críticas, inclusive por parte dos próprios autores (Oldham & Hackman, 2010), devido à negligência das facetas sociais e relacionais do trabalho, as quais têm ganhado uma crescente importância e expressão na sociedade. Houve, dessa forma, um apelo para o desenvolvimento de teoria e de estudos empíricos que contemplem a perspetiva relacional do desenho do trabalho (e.g., Grant & Parker, 2009), ou seja que reconheçam que o trabalho não se desenvolve num vácuo, mas sim num determinado contexto e em relações com as outras pessoas, sejam elas chefes, colegas de equipa, liderados ou clientes. A investigação desses aspetos sociais, no âmbito do desenho do trabalho, contribui, igualmente, para contrastar e complementar a ampla pesquisa sobre os pontos de vista que enfatizam o estudo do burnout e do trabalho emocional, bem como dos efeitos (tanto positivos quanto negativos) dos aspetos relativos à interação com outros, em contexto profissional.
O contacto com clientes e os seus efeitos nos trabalhadores: perspetivas do burnout e do trabalho emocional
O burnout, uma síndrome emocional caracterizada pela exaustão, pelo cinismo e pelos sentimentos de ineficácia profissional, coloca o indivíduo no contexto social profissional, do ponto de vista dos stressores emocionais e interpessoais, entre os quais os que resultam do contacto com os outros no ambiente de trabalho (Bakker, 2016). O burnout começou por ser estudado com profissionais de saúde e de ajuda, devido à aparente maior incidência desta síndrome nestes grupos profissionais. Posteriormente a investigação com base no questionário original sobre o tema foi alargada e o referido instrumento foi adaptado para outros contextos e profissionais, tais como os profissionais do ensino e, mais recentemente, sob a forma de um questionário mais generalista para aplicação em qualquer profissão (Maslach & Leiter, 2016). Uma tónica persistente na literatura sobre o burnout centra-se na relação problemática entre o indivíduo e o seu contexto de trabalho – esta relação é vista como causadora de tensão crónica, sendo que as transações sociais, aumentando o grau de incerteza ou sendo sentidas como negativamente assimétricas do ponto de vista do trabalhador, podem contribuir para acentuar esta síndrome (Leiter, Bakker, & Maslach, 2014).
O trabalho emocional, que envolve a expressão de emoções desejáveis em termos organizacionais como parte integrante do trabalho (Zapf, 2002), resulta, por exemplo, da necessidade de expressão de emoções positivas e da supressão de emoções negativas, que carateriza o trabalho daqueles que desempenham funções com contacto com clientes (Cossette & Hess, 2012). Nas profissões de ajuda, por exemplo, existe um conjunto de expectativas, bem como de normas sociais e ocupacionais relativas às formas de comportamentos esperados por parte dos profissionais, bem como da expressão de emoções em contexto de trabalho (Zapf, 2002). Alguns autores (e.g., Brotheridge & Lee, 2003), ainda relativamente ao trabalho emocional, optaram por uma abordagem centrada na gestão das emoções e na forma como essa gestão é realizada, diferenciando entre as estratégias de regulação automática das emoções, a representação superficial (surface acting) e a representação profunda das emoções (deep acting) (Cossette & Hess, 2012). Associado ao trabalho emocional, surge ainda o conceito de dissonância emocional, que descreve o processo que ocorre quando é requerido que o trabalhador, numa determinada situação, evidencie emoções que não sente verdadeiramente e que são contrárias às suas crenças e normas (Zapf, 2002).
O trabalho desenvolvido no âmbito do quadro de referência do burnout e também, em larga medida, da abordagem do trabalho emocional indicam que os contactos "frequentes, diretos e emocionalmente intensos com clientes e pacientes […] são suscetíveis de causar stresse, tensão e burnout" (Grant & Parker, 2009, p. 328). Contudo, a abordagem do desenho relacional do trabalho apresenta uma perspetiva contrastante, ao propor que a arquitetura relacional do trabalho pode contribuir para fomentar a motivação prossocial, ou seja, para promover a vontade, por parte dos trabalhadores, de realizarem uma contribuição positiva significativa para as vidas dos recipientes do seu trabalho (Grant & Parker, 2009).
Desenho relacional do trabalho: principais conceitos
As características relacionais do trabalho (CRT) traduzem-se no contacto com os clientes por parte dos trabalhadores de uma dada organização, bem como no impacto do seu trabalho na vida desses clientes (Grant, 2007). Neste artigo utilizamos o termo clientes para nos referirmos a todos os recipientes do trabalho de um determinado profissional (sejam pacientes, estudantes, passageiros, utentes, etc.). O contacto com os clientes envolve as oportunidades para interagir e o grau de interação do trabalhador com os recipientes do seu trabalho, tendo como dimensões a frequência ("periodicidade com que o trabalho proporciona a oportunidade de interagir com os beneficiários"), a duração ("período de tempo proporcionado para a interação com os beneficiários "), a proximidade física ("grau de espaço geográfico e interpessoal na interação"), a profundidade ("grau em que o trabalho proporciona a oportunidade de expressão de cognições, emoções e identidades") e a amplitude desse contacto ("gama de diferentes grupos de beneficiários que o trabalho coloca em comunicação com o trabalhador") (Grant, 2007, p.398). O impacto do trabalho na vida dos clientes reflete as oportunidades que o profissional tem ao seu dispor, no sentido do seu trabalho ter um efeito na vida daqueles a quem se dirige, sendo caracterizado pelas seguintes dimensões: magnitude ("grau e duração dos potenciais efeitos"), alcance ("número ou extensão das pessoas potencialmente afetadas"), frequência ("assiduidade com que o trabalho proporciona oportunidades para ter um efeito nos outros") e foco do impacto (o trabalho "proporciona oportunidades para prevenir danos ou para promover ganhos para os outros") (Grant, 2007, p. 397). Essas CRT fomentam o desejo, por parte dos trabalhadores, de contribuírem para o bem dos recipientes do seu trabalho, ou seja estimulam a motivação prossocial destes profissionais.
As CRT têm como efeitos psicológicos: o impacto percebido pelos trabalhadores na vida dos clientes ("grau em que os trabalhadores estão conscientes que as suas ações afetam os outros") (Grant, 2007, p.399); o valor social percebido atribuído ao trabalho ("grau em que os trabalhadores sentem que os seus contributos são valorizados pelos outros") (Grant, 2008a, p.110); o commitment[4] afetivo face aos clientes ("preocupação emocional e dedicação às pessoas e grupos nas quais o nosso trabalho tem efeito") (Grant, 2007, p.401).
Efeitos psicológicos das CRT: análise de pesquisa realizada no âmbito do desenho relacional do trabalho
Grant (2007) propôs um modelo do impacto do trabalho na vida dos clientes, tendo posteriormente sido desenvolvidos por este autor e pelos seus colegas, vários estudos empíricos no âmbito deste quadro de referência (e.g., Grant & Campbell, 2007), incluindo o estudo das qualidades psicométricas de um instrumento de medida das características sociais do trabalho (i.e., contacto com clientes e impacto na vida destes) e dos seus efeitos psicológicos (i.e., impacto percebido na vida dos clientes e commitment afetivo face a estes) (Grant, 2008a). Foi igualmente validada a escala dos efeitos psicológicos das CRT com enfermeiros portugueses e brasileiros, que evidenciou boas qualidades psicométricas (Santos, Castanheira, Chambel, Amarante, & Costa, 2017).
Os resultados obtidos com angariadores de fundos e estudantes universitários apontam no sentido de o contacto com os clientes se refletir ao nível da motivação e dos comportamentos de persistência nas tarefas (Grant, Campbell, Chen, Cottone, Lapedis, & Lee, 2007). O contacto com os clientes revelou igualmente um efeito moderador na relação entre a liderança transformacional e o desempenho, num estudo com amostras constituídas por vendedores de call center e por trabalhadores de uma organização governamental dos Estados Unidos da América e seus supervisores diretos, através do papel mediador do impacto social percebido (Grant, 2012).
As percepções do impacto social na vida dos clientes evidenciaram contribuir para a satisfação no trabalho e para a diminuição dos riscos de burnout em diferentes amostras: trabalhadores de uma empresa de transportes, secretárias e professores do ensino secundário (Grant & Campbell, 2007); e angariadores de fundos e trabalhadores de uma empresa de serviços sanitários (Grant & Sonnentag, 2010). As percepções do impacto social na vida dos clientes evidenciaram contribuir igualmente para um incremento no desempenho de angariadores de fundos num estudo longitudinal quase-experimental (Grant, 2008b), bem como para avaliações de desempenho mais favoráveis (Grant & Sonnentag, 2010). O impacto social percebido evidencia igualmente um efeito de mediação parcial nas relações entre a liderança transformacional, as características do desenho do trabalho e o desempenho de enfermeiros hospitalares (Bélle, 2013), revelando, igualmente, um efeito positivo nas relações entre este tipo de liderança e a motivação de trabalhadores do sector público (Bro, Andersen, & Bøllingtoft, 2016). O impacto social percebido revela também deter um papel de mediação parcial nas relações entre a autonomia e o engagement no trabalho de enfermeiros obstetras (Freeney & Fellenz, 2013), contribuindo de igual forma para a relação positiva entre a motivação para o serviço público e a satisfação no trabalho de trabalhadores de uma instituição governamental australiana (Taylor, 2014). A percepção do impacto na vida dos clientes mostrou, ainda, uma relação negativa com as intenções de saída e uma relação positiva, parcialmente mediada pelo commitment afetivo face aos clientes, com o tempo dedicado a tarefas de voluntariado (Alfes, Shantz, & Saksida, 2015). O impacto social percebido revelou, também, uma associação positiva significativa com o engagement no trabalho em estudos realizados com amostras portuguesas, nomeadamente trabalhadores com contacto com clientes (Castanheira, 2016), militares (Castanheira, Chambel, Lopes, & Oliveira-Cruz, 2016) e enfermeiros hospitalares (Santos, Chambel, & Castanheira, 2016; Santos, Castanheira, Chambel, Amarante, & Costa, 2016).
O impacto social percebido na vida dos clientes e o commitment afetivo face a estes clientes revelaram deter um papel mediador nas relações entre as CRT e a motivação prossocial de trabalhadores de várias profissões (Grant, 2008a). De igual forma, o impacto social e o valor social percebidos denotaram ter um efeito mediador na relação entre o significado da tarefa e o desempenho de angariadores de fundos e nadadores-salvadores (Grant, 2008c). Um estudo realizado com trabalhadores com contacto com clientes mostrou igualmente que o impacto social percebido revelava uma relação positiva com o desempenho, mediada pelo engagement no trabalho (Castanheira, 2016),
O valor social percebido evidenciou igualmente relações positivas e significativas com o engagement no trabalho, quer diretamente, em amostras de militares e enfermeiros hospitalares (Castanheira et al., 2016; Santos et al., 2016a; e Santos et al., 2016b), quer através do efeito do commitment afetivo face aos clientes numa amostra de trabalhadores com contacto com clientes (Castanheira, 2016). O commitment afetivo face aos clientes mostra igualmente relações positivas significativas com o engagement no trabalho em estudos realizados com trabalhadores com contacto com clientes (Castanheira, 2016) e enfermeiros hospitalares (Santos et al., 2016b; e Santos et al., 2016a, na amostra portuguesa). Os estudos realizados em Portugal revelaram que o impacto social percebido e o valor social percebido se encontram associados ao engagement no trabalho, através dos efeitos do commitment afetivo aos clientes numa amostra de trabalhadores com contacto com clientes (Castanheira, 2016) e da motivação prossocial numa amostra de militares (Castanheira et al., 2016). Os três efeitos psicológicos das CRT também evidenciaram relações positivas, mediadas pelo engagement no trabalho, com o commitment organizacional afetivo (Santos et al., 2016b) e com o bem-estar geral (Santos et al., 2016a, na amostra portuguesa), o que sugere que podem revelar o papel de recursos do trabalho.
O valor social percebido evidenciou relações significativas e negativas com o burnout, sendo que este indicador de mal-estar no trabalho revelou um efeito mediador negativo entre este efeito psicológico das CRT e o bem-estar geral de enfermeiros hospitalares portugueses e brasileiros (Santos et al., 2016a).
Em súmula, os estudos desenvolvidos no âmbito do quadro de referência do desenho relacional do trabalho, anteriormente referidos, sugerem que as CRT e os seus efeitos psicológicos (i.e., impacto social percebido, valor social percebido e commitment afetivo face aos clientes) evidenciam o potencial para contribuir para efeitos positivos, tanto ao nível dos trabalhadores (e.g., maiores satisfação e engagement no trabalho, menor burnout), como das organizações (e.g., desempenho, commitment organizacional afetivo).
Implicações para a prática
Em termos de implicações práticas, os resultados dos estudos realizados no âmbito do desenho relacional do trabalho (Grant, 2007), anteriormente referidos, apontam no sentido dos aspectos favoráveis associados ao fomento dos aspetos relacionais do trabalho, ao invés de um afastamento dos trabalhadores relativamente aos seus clientes, por exemplo através de uma sobrecarga administrativa. Desta forma, as organizações que fomentem as CRT, particularmente no que diz respeito ao contacto com os clientes, estão a contribuir para uma maior percepção do impacto na vida dos clientes e do valor atribuído por estes ao trabalho, bem como para um maior commitment face aos clientes. A procura, pelas organizações, do feedback dos clientes, bem como a sua divulgação junto dos trabalhadores, pode contribuir para uma maior percepção por parte destes do impacto do seu trabalho e da valorização deste trabalho por parte dos clientes, ou seja daqueles a quem se dirige. Por exemplo, as Nações Unidas, no seu artigo em linha Protecting Civilians (United Nations, s/d), apresentam as suas atividades no sentido da manutenção da paz, especialmente dirigidas à população civil dos países onde a sua intervenção é necessária. Este artigo, ao proporcionar um panorama do impacto do trabalho dos profissionais envolvidos nestas intervenções de manutenção de paz na vida das populações, pode contribuir para uma maior percepção, por parte destes profissionais, do efeito do seu trabalho nas pessoas às quais este se dirige. Um outro exemplo é dado pelo vídeo realizado e tornado público pela Ordem dos Enfermeiros de Portugal (Ordem dos Enfermeiros, 2017), no qual assistimos a testemunhos de cidadãos que reportam a importância da intervenção e do trabalho dos enfermeiros nas suas vidas, o que poderá contribuir para o aumento da percepção destes profissionais de saúde do impacto na vida dos seus clientes, bem como do valor atribuído por estes ao seu trabalho.
Os resultados dos estudos anteriormente apresentados sugerem que o desenvolvimento de ações práticas por parte das organizações, no sentido de fomentar os efeitos psicológicos das CRT, particularmente a percepção do impacto e do valor social do trabalho, poderão não só refletir-se ao nível do bem-estar dos seus trabalhadores (contribuindo para a criação e manutenção de locais de trabalho saudáveis), como do seu desempenho e da qualidade dos serviços prestados.
Desafios para investigação futura
Os objetivos futuros prendem-se com a pesquisa das circunstâncias nas quais o contacto com os clientes pode deixar de contribuir para efeitos positivos e passar a ter consequências negativas para os trabalhadores (Grant & Parker, 2009; Oldham & Fried, 2016). Outro potencial caminho de investigação traduz-se no estudo do possível papel moderador dos efeitos psicológicos das CRT nas relações entre as exigências (e.g., carga de trabalho, associada a baixo controlo e baixo suporte) e o bem-estar dos trabalhadores. Ou seja, do possível papel atenuador, por parte dos efeitos psicológicos das CRT, dos efeitos dos fatores de tensão no bem-estar dos trabalhadores.
Os efeitos psicológicos das CRT e as suas relações com outras variáveis podem ainda variar de acordo com as culturas dos diferentes países (e.g., Santos et al., 2016b), pelo que é importante a realização de pesquisa que aprofunde estas potenciais diferenças (Oldham & Fried, 2016).
As alterações ao nível das organizações a que assistimos nas últimas décadas, decorrentes da globalização, tornam particularmente relevantes os estudos de natureza transcultural (Gelfand, Erez, & Aycan, 2007). A pesquisa transcultural na psicologia organizacional leva a uma expansão da variedade de fenómenos estudados em termos de comportamento organizacional e contribui para assinalar os fenómenos organizacionais específicos a cada cultura (Aycan & Gelfand, 2012). Proporciona igualmente um teste da aplicabilidade das teorias nas diferentes culturas, contribuindo também para a redução do etnocentrismo e para uma maior eficácia nas relações interculturais (Aycan & Gelfand, 2012). Uma vez que a mobilidade profissional de algumas classes de trabalhadores já é objeto de estudo (e.g., Buchan, Parkin, & Sochalski, 2003, relativamente aos enfermeiros), é importante acompanhar essa mobilidade com pesquisas de carácter transcultural, que poderão contribuir para uma melhor compreensão das potenciais implicações a nível organizacional, bem como para uma melhor gestão de equipas multiculturais.
Por fim, é importante estender o estudo dos efeitos psicológicos das CRT ao maior número possível de contextos profissionais e, de preferência, com a realização de estudos longitudinais, o que permitirá o estabelecimento de relações causais.
Conclusão
A exploração dos conceitos e a análise da pesquisa realizadas neste artigo, no âmbito do desenho relacional do trabalho, apontam no sentido de os aspectos relacionais do trabalho poderem agir como recursos do trabalho e, como tal, constituir uma fonte de motivação para os trabalhadores. Estes aspectos positivos para os trabalhadores poderão refletir-se tanto ao nível do seu bem-estar, como do seu desempenho no trabalho e, consequentemente, as organizações poderão colher benefícios a partir do fomento das CRT no desenho do trabalho.
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[1] Mestre Psicologia das Organizações. CIPSI, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Portugal. Bolseira de doutoramento (BD2015). Alameda da Universidade, 1649-013 Lisboa, Portugal. E-mail: aldasantosw@sapo.pt
[2] PhD. Professora Auxiliar. Nova School of Business and Economics, Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Campus de Campolide,1099-032 Lisboa, Portugal. E.mail: fcastanheira@novasbe.pt
[3] Phd. Professora Associada com agregação. CIPSI, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Portugal. Alameda da Universidade, 1649-013 Lisboa, Portugal. E.mail: mjchambel@psicologia.ulisboa.pt
[4] As palavras commitment e engagement foram mantidas em inglês neste artigo, por uma questão de clareza e rigor, uma vez que não existe consenso na tradução destes conceitos para a língua portuguesa.
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